20 de maio de 2010

CRÔNICA DA CIDADE

Vida alheia
Conceição Freitas
Por que a vida alheia nos interessa tanto? A alguns mais do que a outros. Ou dizendo de um modo mais preciso: muitos de nós se interessa demasiadamente pela vida alheia. Isso sempre me incomodou, não que eu não me interesse pelos movimentos da vida das pessoas com as quais convivo, mas o gosto extremado em saber o que acontece com a vida dos outros sempre me pareceu uma disritmia nefasta.
Há algum tempo, uma sábia amiga me alertou: o ser humano olha para o outro porque precisa medir-se a si mesmo, seja como um ato de coragem, seja como um ato de covardia. Seja para dizer: aquele humano se sai melhor do que eu nisso ou naquilo, quem sabe posso aprender com ele. Ou seja para se alimentar do fracasso alheio: eu não consegui, mas ele também não.
Outro tipo de interesse pelo que acontece com os outros que sempre me intrigou é o movimento que se segue a um acidente de trânsito ou qualquer outra tragédia em via pública: diante de um fato brutal, desses que fraturam o ritmo normal da vida, as pessoas ficam extremamente assustadas, porque são informadas, naquele instante, que é por demais perigoso viver e que todos, todos, estamos sujeitos a esses acontecimentos.
Acompanhá-los de perto é um momento de aceitar que as tormentas existem e ao mesmo tempo um consolo diante do tremor que elas deixam na alma. “Não foi comigo, que bom”. Ao fim e ao cabo, todos desconfiamos que viver é sempre estar à beira do abismo.
A abelhudice das pessoas sobre a vida das outras pessoas é um modo de lidar com a própria vida. O outro é a medida do que existe, do que pode acontecer, do que se pode fazer, do que dá certo, do que dá errado – o outro é o meu espelho.
Ninguém existe sem o outro. Precisamos do olhar do outro para conferir a própria existência.
Então, diante disso tudo, aprendi que o interesse do outro pela sua vida, ou o seu interesse pela vida do outro, pode ser nefasto ou pode ser generoso, pode te ajudar ou te atrapalhar.
Se você conseguir suportar um olhar inimigo, ele pode ter muito a te ensinar. O olhar inimigo pode te dizer coisas que um amigo não tem coragem, mas você precisa ouvir.
Tudo depende do que você faz com o que a vida te oferece.

Fonte: Conceição Freitas – Correio Web